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Cabanas A Pesca ao Atum
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Pescadores a recolher as redes do mar, preparando-se para o copejo

TODOS nós conhecemos o atum, aquele peixe que é servido nas nossas mesas na forma de bife, ou então enlatado em conserva, pronto para matar a fome rapidamente a qualquer esfomeado. Cozido ou assado, temperado com azeite ou acompanhado de cebolada é sempre uma delícia.

A pesca e o consumo deste peixe é milenar, devido à sua carne extremamente apetitosa e tenra, sendo, até há cerca de 30 anos, a principal actividade económica do Algarve, antes do turismo ter surgido em força.


O atum

Atum (Thunnus thinnus L.) O termo vulgar "atum", diz respeito, na verdade, não apenas a uma espécie, mas sim a várias, tendo em comum todas o facto de pertencerem ao género Thunnus, pertencentes à família Scombridæ da qual também fazem parte a vulgaríssima cavala (Scomber japonicus) e a sarda (S. scombrus). Daqui para a frente, e até ao fim da página, quando fizer referência ao "atum" pura e simplesmente, estar-me-ei reportando à mais vulgar de todas as espécies, aquela que era (e é) pescada nas costas do Algarve - o atum vermelho do Atlântico (Thunnus thynnusL.). Esta espécie é também conhecida pelo nome de rabil.

Depois de que ficou dito acima, passo a descrever a espécie: o atum é uma espécie migradora e gregária que normalmente habita (fora dos meses de reprodução) o Oceano Altântico Central entre a costas europeia e norte-americana. Normalmente, nas costas algarvias, apresenta-se com dimensões da ordem de 2 a 2,5 m, oscilando entre os 150 e 300 kg de peso na idade adulta, podendo em casos extremos pode atingir 4 m de comprimento e acercar-se da tonelada de peso dependendo dos ecossistemas. Estas dimensões são atingidas principalmente pelos mais velhos, quando ultrapassam os 15 anos de idade (a idade máxima registada é 24). Forma cardumes extensos, especialmente na época migratória, que efectuam longas migrações atravessando o estreito de Gibraltar em direcção ao Golfo de Sidra e Ilhas Baleares no Mediterrâneo, onde tem lugar a desova, durante os meses de Junho e Julho. É por isso que é pescado em vários países, dependendo de quais se aproxima durante a deslocação. Em migração pode atingir velocidades extremamente elevadas, de perto dos 90 km/h. É a esta migração em direcção ao Mediterrâneo que se dá o nome vulgar de "atum de direito", quando o peixe se encontra mais gordo e logicamente mais saboroso, devido à alimentação que efectou de forma a poder levar a bom termo a migração. Quando o atum regressa aos seus habitats do Atlântico, em direcção a Oeste, já no final do Verão, é a época do "atum de revés", que já não é tão apetecível como o de "direito", devido à maior parte da suas reservas nutritivas terem sido consumidas no esforço de reprodução.

É curioso verificar que, consoante as suas dimensões, e tendo em conta o interesse comercial, o atum pescado adquiria diferentes denominações, sendo considerado como "atum", quando ultrapassava 110 Kg; "atuarro" entre 100 e 40 Kg; "albacora" entre 35 e 15 kg; "cachorreta" com menos de 10 Kg. De entre todas as partes do corpo do atum, a mais procurada é o "sangacho", a mais saborosa que na carne crua tem uma cor avermelhada, sendo aquela que, no bife de atum, se apresenta em volta da espinha com uma cor castanho-escura.


História

Caíque - antiga embarcação cujas origens supõe-se remontam aos fenícios

Pode-se dizer que a pesca ao atum começou quando o homem deve ter empreendido as suas primeiras viagens ao mar alto e sentido necessidade de se alimentar durante as longas deslocações que fazia de porto para porto. Vá lá saber-se como, um dia deve ter tropeçado com um peixe que na idade adulta atingia perto dos 4 metros de comprimento, e que provou, depois de ter sido consumido, ser extremamente saboroso, e a partir aí deve ter se decidido por pretender começar a pescá-lo.

Os povos mais antigos que poderão ter levado a cabo pela primeira vez tal empresa terão sido os povos das ilhas do Mar Egeu que, há cerca de 10 000 anos terão começado a pescá-lo. A própria palavra "atum" pode ter tido origem nas palavras than e thannin , as quais fazem referência a animais de grandes dimensões, muito fortes e capazes de morrer sem mostrarem qualquer "ressentimento". Estes povos parecem ter encarado este peixe como uma divindade por essas razões. Pensa-se que foi também entre os povos do Egeu - entre eles os gregos - que tiveram lugar as primeiras armações de pesca ao atum, uma vez que Aristóteles refere a sua existência. Esta pesca teve continuidade mais tarde entre os fenícios e os seus descendentes os cartagineses, que tinham necessidade de se abastecer durante as suas longas viagens marítimas. É dos fenícios que se sabe provir a "a mais antiga inscrição referente à pesca do atum na Península pode ser encontrada em medalhas fenícias de Cádis e Cartagena. Diz a história que os fenícios estabeleceram-se nas costas meridionais da Península no séc. XV a.C. e que daqui se mantiveram até ao século VI a.C., altura em que foram expulsos pelos cartagineses"(1).

A primeira referência história à pesca do atum no nosso país data do ano 151 da nossa era, no actual território do Algarve, sendo os cónios (povo ibérico submetido pelos romanos) quem se encarregavam da pesca.

Entre os romanos, pensa-se que o atum figurava entre os vários ingredientes do garum, uma espécie de pasta feita com vísceras de vários peixes e mariscos, depois de rigorosamente confeccionado, constituindo um manjar muito apreciado no entanto apenas acessível aos mais abastados.

Arraial Ferreira Neto, em Tavira (foto antiga) Esta pesca foi prosseguida pelos romanos e pelos árabes (responsáveis pela evolução tecnológica das pescas posteriormente),que nos legaram alguma da tecnologia e terminologia. É aos árabes que se deve a designação "almadrava" (criado a partir das palavras alma e darab , querendo alma dizer lugar e darab atança - literalmente "o lugar da matança") que se utiliza vulgarmente ao fazer referência às armações do atum.

Em 1249, data da conclusão da conquista do território nacional aos mouros, o rei D. Afonso III decide reservar para a coroa todos os direitos sobre a pesca do atum, sob a chancela das "Pescarias Reais". Com D. Fernando (meados do séc. XIV, cerca de um século depois) estabeleceram-se no Algarve os primeiros sicilianos e genoveses. Foram estes povos italianos que iniciaram os portugueses na arte da pesca do atum, com grande sucesso, uma vez que se tornou imediatamente numa actividade extremamente próspera, matendo-se assim até ao séc. XVII, época em que começou a entrar em declínio devido às sucessivas crises económicas e sociais no nosso país.

Foi com o marquês de Pombal, já no séc. XVIII, que a actividade conheceu um novo fôlego, conhecendo um novo período dourado, até à década de 70 deste século. A pesca então ressurgiu em força e graças a isso floresceram inúmeras armações de atum por toda a costa algarvia, desde Vila Real de Santo António até Sagres, estando, no entanto, a maior parte concentrada no Sotavento.

Deste modo, em 1881, uma de entre essas inúmeras armações, a Armação do Medo das Cascas, junto a Tavira, totalizou apenas num ano a captura de cerca de 41 000 atuns! Eram anos dourados! Praticamente a mesma quantidade que se pescou durante 17 anos, já na fase final, entre 1955 e 1972, data do lançamento da última armação.

Carcaça duma barca junto à ria Em 1903, atingiu-se o número máximo de 16 armações na costa sul algarvia, sem contar 3 que surgiram na costa vicentina. A partir daqui a actividade iniciou o seu declínio, uma vez que depois de 1929 apenas sobreviviam as do Sotavento. A última grande armação inaugurada foi o Arraial Ferreira Neto, que teve lugar em 1945, sucessor da Armação do Medo das Cascas, destruída pelo mar em 1941, vítima das constantes deslocações das barras. A Armação da Abóbora, situada na ilha hoje conhecida como das Cabanas conheceu idêntico destino no no princípio dos anos 60.

Depois de 1961, o Algarve foi ultrapassado em número de capturas pelo Arquipélago do Açores, e depois no ano seguinte pela Madeira. A última armação foi lançada em 1972, tendo apenas como resultado a captura dum único atum!

Muitas foram as hipóteses avançadas para o desaparecimento dos cardumes, contando entre outras:

Por outro lado, a falta de mão-de-obra também contribuiu para o declínio da actividade.

No entanto, os atuns não disseram adeus à nossa costa, já que nos últimos anos têm vindo a ser frequentes os relatos de cardumes que passaram junto a Tavira, para além da sua captura em artes de pesca destinadas a outras peixes não seja infrequente, especialmente no que conta aos indivíduos mais jovens e de menores dimensões.

Em 1996, um grupo japonês - ARAI - conjuntamente com um conjunto de sócios portugueses, constituiu a TUNIPEX - empresa que se dedicada à pesca do atum com sede em Olhão, com vista a abastecer o mercado nipónico - onde o atum é o principal ingrediente do sashimi, para além de carne proveniente de outros peixes - um grande pitéu para os japoneses - que é uma espécie de fiambre que leva algas ou legumes e é conservado a 50 graus negativos. Segundo os japoneses - eles lá sabem! - o sashimi quando consumido cru, possui elevados efeitos afrodisícos!

De qualquer forma, esta firma possui 15 pessoas a trabalhar numa embarcação - o Guentaro maru e em 1996 conseguiu capturar 69 atuns, seguido de 133 no ano seguinte, totalizando um total de 202 atuns capturados em dois anos.


As Almadravas

Existem muitas e variadas técnicas de pesca ao atum, mas aqui vou apenas preocupar-me em descrever a "clássica", aquela que foi era praticada no Algarve - a pesca com armações ou almadrava.

As almadravas eram a forma de pesca mais tradicional ao atum, sendo herdeiras directas das mais antigas técnicas de pesca praticadas pelos antigos. Eram precisos perto de duzentos homens durante todo o processo. Dava-se o nome de almadrava a todo o conjunto das artes de pesca desde as redes, que ficavam a boiar no mar, até às bóias e flutuadores necessários para as manter lá, que retiam o atum e encaminhavam-no directamente para a morte. Para além disso, toda a estrutura da armação era facilmente danificada pelo mar, pelo que os reparos necessários ao bom funcionamento de toda a estrutura eram quase constantes.

Como foi descrito na secção anterior, existiam duas vagas de migração do atum: o "atum de direito" e o "atum de revés". Como não é difícil de imaginar, a armação era orientada em direcção contrária à do sentido de migração do animal. Deste modo, para "o atum de direito", a estrutra era orientada em direcção a oeste, enquanto no "atum de revés" fazia-se na direcção diametralmente oposta, ou seja, para este.

Esquema da armação para a pesca do atum (almadrava) Imagine-se uma área no mar, um quadrado com cerca de dez quilómetros de lado. Pois bem, toda esta área é ocupada por toda a estrutura da armação, de que a figura ao lado, nos permite ter uma ideia aproximada. Como se pode ver, existe uma área central - o "corpo" da armação, na qual tem lugar a captura do atum. O atum é encaminhado em direcção ao corpo com a auxílio da rabeira. Isto era facilitado pelo facto do atum ser um peixe que, para respirar, necessita de estar em constante movimento. A rabeira era uma rede vertical mantida à superfície com o auxílio de flutuadores, e que chegava a ter um comprimento de quase 5 quilómtros. A rabeira possuia "invaginações" em sentido contrária - "as bicheiras", cuja função era reencaminhar o atum na direcção correcta que tivesse mudado a sua rota ao colidir com as redes. Do outro lado do "corpo", existe outra rede com estrutura semelhante mas orientada em direcção oposta, a "guia", com função semelhante.

O corpo era um rectângulo de 360 metros de comprimento por 50 de largura e encontrava-se dividido em três partes - a "câmara", o "bucho" e o "copo". Era para a "câmara" que os atuns entravam inicialmente, através da "boca", que era como uma espécie de porta. Uma vez dentro da "câmara", o atum era encaminhado para o "bucho", donde o atum já não era possível a fuga, por ser a parte mais robusta da armação, preparada para resistir aos arremetimentos do atum desesperado para tentar fugir, e por outro lado as "bocas" eram fechadas imediatamente. E no fim de tudo isto, somos conduzidos ao "copo", onde tinha lugar o acontecimento mais importante de toda a faina - o "copejo".

O momento do copejo Chegado ao "copo", por já não ter saída possível, o atum tenta saltar à superfície para superar o obstáculo, mas ao proceder assim, é capturado pelos pescadores que com o auxílio de arpões, o fisgavam e punham-no para dentro das embarcações estacionadas na borda do "copo". De acordo com Rosa Santos, já citado acima, «é nesta operação de fisgar o peixe que reside o segredo; sem essa perícia e destreza, seria proeza impossível para pulso humano meter dentro do barco animal tão corpulento no acto de se debater em desesperadas convulsões». Mais à frente, o mesmo autor, afirma que o copejo «é de molde a electrizar a fleuma algarvia, os músculos retesam-se então com mais afinco naquela falange de braços possantes». E por outro lado, António Manuel Galvão(2), aludia ao momento que os pescadores, «cheios de cansaço, as roupas rasgadas, a escorrer - suor e água - vergados ao peso do peixe com mãos e rostos tintos de sangue, se lançam ao mar, abraçam-se aos peixes já cansados de lutar e impelem-nos quase ao colo, para dentro dos barcos».


Ecos na Literatura

Muitos escritores portugueses, como Fialho de Almeida, dada a semelhança evidente, construíram metáforas a respeito do copejo, denominando-o de tourada marinha. Enquanto que outros autores, como Raul Brandão, legaram-nos narrativas tão belas como os espectáculos a que se assistiam, e de que deixo aqui o seguinte excerto:

Uns homens têm na mão direita a ganchorra curta e afiada, presa ao pulso pela alça, e outros, armados de um bicheiro mais comprido, só esperam que o atum comece a saltar para o chegarem aos barcos. Agita-se a água... Vêem-se os grandes dorsos reluzentes e os rabos que chapinam. Noventa negralhões meio nus, de calças arregaçadas e camisolas azuis, estão prontos a matar. Gritam: - Agora! - Espetam o peixe. Para não caírem à água, deitam a mão esquerda à corda amarrada ao pau de entre-vela, curvam e fisgam-nos pela cabeça. O peixe resiste e quer fugir: sentindo-se preso, ergue-se, apoiado na cauda, e é esse movimento de recuo que ajuda o homem a metê-lo para dentro [...]. Os barcos estão cheios de peles luzidias e de manchas gordurosas de sangue. São bichos enormes e escorregadios, de grossa pele azulada, que batem pancadas, sobre pancadas com o rabo. A gritaria aumenta - Eh! Eh!... - É uma mixórdia que me cansa. Só vejo manchas sobre manchas, sobrepostas, a côr e o movimento, a côr dos homens, a côr dos grandes peixes que se debatem e morrem, e a agitação que se precipita e acelera os gestos confundidos. E sobre tudo isto um grito, um grito de triunfo, o grito da matança que explode numa alegria feroz, a alegria primitiva - Eh! Eh!... - num quadro imutável, todo vermelho e negro.

Outro autor, o algarvio Teixeira Gomes, que foi presidente da república e embaixador português em vários países da Europa, também deixou a sua contribuição, a roçar o mitológico e fantasista, inspirado talvez nos autores clássicos:

Então o rapaz, depois de olhar entre envergonhado e receoso para o meu grupo, principiou a despir aquela quantidade de trapalhadas em que os pescadores se envolvem, mesmo de Verão, quando vão para o mar. [...] De pé, na borda da lancha, erguendo os braços e juntando as mãos, tomou um leve balanço e jogou-se à água, sumindo-se entre os peixes. Mas em poucos segundos ele surgia, [...] montando um enorme atum, que, para se desembaraçar da estranha carga, entrou vertiginosamente, saltando sobre o outro peixe que lhe impedia a passagem, ou mergulhando subitamente, para reaparecer alguns metros mais longe, sempre com o tritão às costas, agarrado com a mão esquerda a uma das alhetas, agitando a outra mão no ar, e dando gritos de triunfo. [...] Animados pelo exemplo, outros rapazes se atiravam à água, para cavalgar os peixes [...] A pesca fechou acima de mil e trezentas cabeças. Mais de "treze centos", como dizia a gente da companha. Fora, na verdade, uma copejada maravilhosa!

Referências bibliográficas

(1) Santos, Luís Filipe Rosa - A Pesca do Atum no Algarve (1989)
(2) Galvão, Miguel - Um Século de História na Companhia de Pescarias do Algarve

Créditos

A pesca do atum em Portugal - página de Elsa Jofre

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